sábado, 19 de junho de 2010

A terceira cirurgia, parte 5

Dormi ansiosa, olhando seu leito vazio.
No dia seguinte ele veio para o quarto.Tremia muito.Parecia ausente. Não esboçava nenhuma emoção.Queria fazer tudo sozinho, não pedia ajuda e tinha movimentos robóticos e abruptos.
Parecia que era outra pessoa.Quando se comunicava dizia coisas sem nexo, fantasiava,inventava,não lembrava o nome das coisas.Tinha um olhar desconfiado e evitava falar.MOnossilábico, respondia com aparente formalidade.Muito estranho.
Ele não deu trabalho, fisicamente estava melhor que das outras cirurgias. Mas a cabeça...
Vendo um jogo na TV disse à minha filha que já tinha "operado muito no estádio do Mineirão".Minha filha apavorou.Ele tinha ficado louco?
Trocava as palavras, inventava nomes novos para as coisas,movimentava-se sem coordenação.

A terceira cirurgia, parte 4

A espera...
Deus do céu, ouvi as nossas preces.Traz ele para gente de novo...
Mantive contato com a enfermagem do centro cirúrgico por algumas vezes para acompanhar o procedimento. Foram sempre gentis e nunca negaram informação.
A cirurgia tinha demorado para começar, e por isso ele não iria para a UTI na hora prevista.
Senti pena dele de novo, aguardando a cirurgia e consciente de tudo ao redor.
Com o passar do tempo eu fui ficando preocupada.Não tinha acabado ainda?
Por fim, soubemos que ele já estava na UTI da neuro.
O médico veio ao nosso quarto e conversou comigo e a irmã dele, que sempre esteve presente, aliviando nossa aflição.
Segundo o cirurgião, ele estava bem mas só viria para o quarto no dia seguinte.Disse que a cirurgia tinha sido mais delicada que da primeira vez, mas mais profunda.Disse que provavelmente em 3 meses entraria com a radioterapia e que não poderia mais haver uma outra cirugia, que essa tinha sido realmente a última.
Fui vê-lo na UTI, mas ele estava muito sonolento. Beijei-o e novamente deixei-o.

A terceira cirurgia, parte 3

O dia amanheceu e a equipe de enfermagem veio busca-lo.Antes pediram para tomasse banho e lavasse o cabelo com uma solução antiséptica.Ele não dizia uma palavra.
Acompanhei-o até o centro cirúrgico, na ante sala, onde alguns pacientes esperavam por sua vez.Verificaram a pressão arterial, fizeram algumas perguntas e logo ele sentiu um pavor:o anestesista era outro.
Sua reação foi desconcertante.Ele começou a falar de todo seu passado de doença e tratamento como se o médico já não soubesse de seu histórico.Ele começou a repetir várias vezes que tinha tido trombose, que não fabricava mais cortisol,que era hipertenso e etc.
Morri de pena dele de novo, vi que ele estava fraquejando, que queria chorar.Foi muito triste.
Ele se sentiu acuado naquele pijama de uniforme de centro cirúrgico, com gorro, sem nenhuma identidade.Quem era ele?lívido, parecia um menino assustado.
Tinha chegado a hora. Beijei-o e saí.

A terceira cirurgia, ainda continuando

À noite, na hora que minha filha caçula , que esteve conosco no hospital durante todo o dia, despediu-se, senti o peso do momento. Desci com ela até a portaria e aí uma
covardia me invadiu. Eu queria chorar, eu precisava chorar, morri de medo, mas não podia deixar o João perceber.
Medo, nunca senti tanto medo. Medo de ele não resistir a mais uma operação, da anestesia, de que ele ficasse "bobo".Morri de pena dele , vê-lo enfrentar aquela angústia e não poder fazer nada.Vi-o quetinho dormindo e imaginei quais seriam seus sonhos...adormeci

A terceira cirurgia , continuação

O João parecia bem confiante.Seu médico havia dito que o pior que poderia acontecer seria ele perder apenas a visão de um lado, acho que era o esquerdo.
Meu genro chegou a vê-lo andando a noite dentro de casa com um olho tampado, como se tivesse se preparando para viver com a visão de 1 olho apenas.
Nos dias anteriores a cirurgia, ele se preocupava somente se o anestesista seria o mesmo. Ele insistiu muito nisso porque ele sabia que seu caso era delicado, e ele já conhecia bem o anestesista das cirurgias anteriores.
No dia da internação ele viu que não conseguiu o quarto que ele havia pedido na clínica civil,que tinha o diferencial de oferecer para o acompanhante uma outra cama, e não sofá. Ele sempre se preocupou muito com meu bem-estar e queria me oferecer todo o conforto que pudesse.
Não sei dizer como passamos o dia, já internados esperando pela cirurgia no dia seguinte.Sentimos um pouco de insegurança porque as informações eram truncadas.Uma hora diziam que alguém da equipe da endocrino viria vê-lo, e outra hora afirmavam que alguém dessa mesma equipe já estava chegando, quando de fato esse alguém já tinha vindo. Muito confuso.

A terceira cirurgia

Cheguei de viagem 10 dias antes da cirurgia.Providenciei para que tudo corresse bem na minha ausência nos meus dois locais de trabalho.
O médico e a equipe da endocrinologia pediram para que o João se internasse no HCRP
no dia anterior a cirurgia para exames e controle dos problemas hormonais que ele ficou como sequela do tumor.E ainda havia a preocupação com o comprometimento circulatório, uma vez que ele teve uma trombose venosa profunda(TVP) após a primeira cirurgia.
Desde a primeira cirurgia ele usa meias elásticas até o alto das coxas praticamente 24 horas por dia, 7 dias da semana. Já na 2ª cirurgia ele foi para o centro cirúrgico de meias elásticas.Está recomendado também o uso injetável de medicação anticoagulante. A dosagem da "cortisona" tem também que multiplicada por 6 ou 8 vezes e aplicada endovenosa durante o processo da anestesia ou um pouco antes, não tenho certeza.
Tenho certeza apenas que ele é considerado paciente de risco para qualquer cirurgia.

terça-feira, 8 de junho de 2010

A sensação de impotência

Mas eu não podia voltar.Eu tinha que ficar até o fim. Em silêncio.
O João argumentou que não tinha ainda uma decisão do médico.Voltar para que? e os meninos que eu tinha levado, iam interromper a viagem?
O médico, segundo minha filha, pediu uma semana. Ele disse que seria muito arriscado abrir o crânio pela terceira vez. Disse que o João poderia perder a visão.Mas só de um lado.
Seria o fim de sua profissão de médico cirurgião.
Meu Deus, não nos abandone, fique aqui, perto da gente.Eu o amo tanto.Ele não pode sofrer tanto assim.Deus?voce está aí?
Eu quero ir embora...
ESperamos os dias passarem.Eu telefonava 3 vezes por dia. Queria ouvir a sua voz quando ele estivesse se deitando, quando estivesse acordando, quando estivesse trabalhando.Eu ligava de dentro do ônibus, de denntro da escola, da rua.
Imaginava sua solidão com os pensamentos.
Ao andar pelas ruas as vezes eu ouvia a sirene de ambulâncias e chorava por dentro. Será que estaremos dentro de uma dessas amanhã?

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A bomba

Eu contava o tempo pra ligar , aguardando o fim da consulta.
De lá, dos Estados Unidos, no intervalo de uma aula eu telefonei. Minha filha que estava com ele,atendeu:" mãe, o tumor cresceu de novo".
Deus...
"meu pai vai parar o carro e falar com voce"
Deus..., o que eu estou fazendo aqui tão longe de casa, longe dele, num momento como esse...como eu queria estar com ele na hora desta notícia...
"alô, baixinha?" ele disse me chamando pelo apelido que ele me deu.
"É querida, o médico disse que o tumor voltou. Mas ele não sabe o que fazer. Ele pediu um tempo para pensar"
No meio do pátio da escola, Deus enxugou meu choro. Não queria chorar em público. Eu não estava viajando só. Eu era responsável pelas outras pessoas que estavam comigo.
"Nao posso perder o controle" pensei comigo.Não podia comprometer a estada dos dois menores que levei comigo. Nem queria que eles comentassem com seus pais num eventual telefonema.
O João não poderia ser mais estigmatizado por ter um tumor. Controle-se!
"bem,quero ir embora, quero ficar com voce, não adianta estar aqui sabendo que a noite voce dorme só, com seus pensamentos. Quero voltar!"

O caminho para a terceira cirurgia

Nossa vida ia voltando ao normal. O João com suas limitações quanto à agilidade, quanto ao cansaço...mas estávamos muito bem. Por muitos momentos não lembrávamos que tínhamos uma doença .
Namorávamos muito, saíamos com muita frequencia.Ele tem um jeito malicioso de olhar e beijar que me divertia muito. Bons restaurantes, viagens curtas, e a rotina gostosa da casa com neto no almoço, casa cheia nos fins de semana com as filhas , genros, neto , empregada.
O João fez então os exames de rotina, ressonância de cranio e campimetria, exame este que mostra o comprometimento da visão lateral,ou seja se houve diminuição do campo lateral da visão.
O retorno para que seu cirurgião o visse junto com os resultados ficou marcado para julho de 2009, quando eu estaria no exterior viajando a estudo.
Minha filha caçula o acompanhou a consulta de "rotina".
Como eu tinha levado meu celular na viagem, fiquei ligando o tempo todo,querendo saber das notícias.