terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ainda a viagem

Esta foi nossa sétima vez em Buenos Aires. Amo este passeio.E minha filha sabendo o quanto sou romântica,presenteou-me com ele sem nem cogitar outro destino.
Mas desta vez foi um pouco diferente. Saimos menos do hotel, demorávamos muito com o "ritual" da manhã.
Hoje em dia o João leva muito tempo para trocar-se, tomar o café da manhã, usar toda medicação...
Mas o pouco que passeamos valeu muito.Ganhei um presentão!
Percebi que já não é seguro deixá-lo só.Uma vez, dentro do taxi, ele dormiu a corrida toda.Se estivesse sozinho, seria uma vítima fácil.
Uma pena também é vê-lo se alterar com pequenas coisas.Reclama muito, fala palavrão.
Eu pedi:"Não xinga tanto. Eu sempre adorei seu bom humor.Estamos passeando".
Ele, parecendo um menino, repondeu:"desculpa"
Enfim, foi outra lua de mel. Respeitando as devidas proporções, of course.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Que viagem!!!

Já em São Paulo, no aeroporto, comecei a curtir a viagem.Fazia muito tempo que não andávamos por lá.
Conversamos muito, tomamos café, rimos dos "ETs" que andavam por lá.Tudo foi curtido minuciosamente.Comprei minha marca favorita de maquiagem no Free Shop para mim e para minhas filhas.
O vôo foi muito tranquilo. O João dormiu, como já esperávamos.
Chegando lá, às 11:30 a.m., fomos direto para o hotel. Como fizemos das outras vezes, largamos a bagagem no hotel e fomos andar. Fiquei surpresa porque achei que desta vez o João fosse precisar de um tempo para descansar primeiro.
Que nada. Fomos procurar um restaurante que gostamos muito , bem central, "Pousada 1820", antigo e bem conservado.
É um restaurante onde os locais comem regularmente, na hora do rush.Eu gosto de fazer o que o povo do lugar faz, além de visitar lugares turísticos.
Comemos nosso prato preferido lá: bife chouriço e bife de tira.
Bebemos uma cerveja muuuito gelada, rimos muito , saboreamos uma bela sobremesa, rimos mais e fomos embora.
Caminhamos pela rua Florida, compramos chocolates nas tendas características de lá.
Voltamos para o hotel e descansamos para...Ir ao show de TANGO.
O João fez absoluta questão de ir no primeiro dia , porque afinal, era o dia do meu aniversário!
Mas ... eu já sabia que não poderia esperar muito. Não se tira leite de pedra. O João já havia feito demais por mim. Eu já estava agradecida e não disse nada ao vê-lo dormindo durante todo o show.Ele já havia feito seu homework.

Mi Buenos Aires querido...

Ganhei da minha filha mais nova , de presente de aniversário (semana passada), uma viagem para Buenos Aires!
Fiquei emocionada com o presente. Eu, a princípio, não queria aceitar.Não pelo valor alto, que sei que minha filha podia arcar com ele. Mas acho que pela inversão dos fatos. Eu que gostaria de presentear minhas filhas.
O João estava presente no momento que minha filha me ofereceu o presente.Ele também a princípio não queria aceitar.Mas quando eu disse a minha filha , na frente dele, que eu achava que nós nunca mais viajaríamos,
que ele não teria mais disposição para se afastar de casa, ele reagiu imediatamente.
"Nós ceitamos, pode marcar."
Eu chorei emocionada. Ela falou coisas lindas, que embora eu concordasse,não pensava que ela reconhecia.
E chegou o dia da viagem!!!!
Foi muuuuuuito bom!

sábado, 14 de agosto de 2010

As visitas

Seus irmãos foram muito atenciosos, ligavam sempre e procuravam vê-lo com frequência. Mas a vida tinha que continuar para todos. Todos tinham seus compromissos.
Quanto aos amigos, minhas filhas e eu fomos responsáveis pelo sumiço deles.
O João estava muito confuso, não dizia coisa com coisa. No meio das conversas, que na verdade ele nunca participava, só olhava, ele falava coisas fora do contexto, dormia,confundia as pessoas.
Achamos que não deveríamos expô-lo.Era como se na verdade estivéssemos escondendo-o.Precisávamos zelar pela imagem dele.Quem o visse diria que ele jamais se recuperaria.
Tivemos medo que ele virasse objeto de curiosidade dos "amigos".Queríamos evitar que ficassem comentando sobre ele com piedade e se referissem a ele como um amigo do passado.
Ele tem um sócio, que continuava trabalhando.Nunca escondemos dele a real situação. Inclusive, ele era o único que tinha "passe livre" para vê-lo.
Se se comentasse na nossa cidade, tão pequena e rica de fofocas, do seu estado, ele perderia todos seus pacientes.
Numa certa vez, antes mesmo de aparecer o tumor, do nada, saiu um boato que ele tinha morrido. Chegaram até mesmo a comparecer no suposto velório!!!!!
Numa outra situação disseram que ele estava nos Estados Unidos se tratando de um câncer! chegaram até a dizer para o sócio dele que o viram numa maca
no Hospital do Câncer de Barretos!
Tudo que fizemos foi para poupá-lo. Não entenderam.
Mas , quando ele voltou, ele já estava preparado para isso. Ninguém o viu naquele estado.

Caminhadas, continuação.

Acompahei o João até o banheiro, separei a roupa limpa que deveria vestir depois, perguntei se ele precisava de alguma coisa e aí ele se voltou furioso:"cadê minha caminhadeira"?
eu não entendi:"´como?"
"minha caminhadeira"
"descupa, bem, mas eu não estou entendendo"
"minha CAMINHADEIRA!!!!"
ele estava furioso.Eu na verdade não sabia o que ele queria.
"você não me entende? preciso ficar repetindo? EU disse CAMINHADEIRA"
Eu quis chorar, mas me segurei. Eu sabia que o craniofaringioma afetava uma área no cérebro que implicaria numa mudança de comportamento.
Olhei em volta do banheiro e perguntei:"você quer sua toalha?"
Ele me olhou surpreso:"é isso que estou procurando..."
E assim se sucederam muitas outras situações.
Ele me chamava de "mãe", não lembrava o nome dos irmãos, não sabia mais seu endereço, telefone, qual era seu carro, o andar do apartamento.
Colocava e tirava as coisas da geladeira, arrumava as prateleiras, guardava sabão em pó na geladeira e manteiga no armário da área de serviço.
Dormia e acordava várias vezes na mesma cadeira, horas e horas do dia.
Não queria barulho, não ligava a tv.
Mas perguntava se alguém teria ido visitá-lo.
Esse era outro drama.

Caminhadas

Um dia, após uma caminhada, eu pedi ao João que fosse tomar banho.Iríamos almoçar em seguida, e ele tem como rotina dormir depois do almoço.Eu sabia que se ele não tomasse banho naquele momento , ele só tomaria às 17 ou 18 horas, quando acordasse.
Ele ficou contrariado com minha insistência mas me atendeu.Ele parecia uma criança ou alguém que não conseguisse agir por si mesmo.Mas, como minhas filhas falavam , eu tinha que assumir o comando.O que era terrível para mim, porque ele sempre fora o HIGH COMMANDER.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Mais sobre a recuperação da terceira cirurgia.

Começamos a fazer pequenas caminhadas,na avenida do nosso prédio.
Religiosamente eu calçava as meias elásticas no João assim que acordávamos.
Mesmo usando shorts e tênis, eu insistia que ele as vestisse.Depois da trombose na primeira cirugia, cuidamos com rigor das suas pernas.
As caminhadas eram pela manhã,nunca muito cedo porque os cuidados e medicamentos tomavam um pouco de tempo.
As pessoas nos olhavam muito.Sua fisionomia e o cabelo mostravam que ele tinha passado por uma cirurgia na cabeça. Não pudemos cortar seu cabelo de imediato, para ficar mais regular com medo que a cicatriz acabasse ficando mais exposta.
No fim da avenida costumávamos parar um pouco numa loja de conviniência num posto de gasolina.Era muito esforço para o João caminhar direto.
Quando chegávamos no posto, pedíamos água mineral.Ele não conseguia se expressar, fazer o pedido.
Ele também ficava muito confuso para pagar. Dava dinheiro a mais, trocava as cédulas ou moedas.
Era muito triste vê-lo assim.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ai esse sono...

Ontem foi dia dos PAIS. Que gostoso. Almocei com meu pai e o João com uma das minhas filhas, genro e neto, almoçou com o pai dele. Minha outra filha teve que ficar porque seu filho estava com catapora.
Interessante esse negóciio de catapora. Não entendo como no século XXI, com tantos recursos tecnológicos, tranplante de face, de célula tronco, ultrassonogragia 4D,e tudo mais, uma criança de 2 anos de idade sofrer tanto por uma doença considerada "normal" para a idade.
Febre alta, inapetência, coceira, vesículas infeccionadas, lesões dentro do olho, do ouvido, do ânus,da boca! Não parece que estanmos no estado de SAO PAULO, no BRASIL.A aparência era de notícia de jornal!!!
Credo!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Só uma pausinha...

Que gostoso. Estamos juntos agora assistindo o jogo da semi final da COPA LIBERTADORES DA AMÉRICA.
É muito legal vê-lo fazer comentários, xingar porque o Internacional e o São Paulo estão fazendo algumas burradas.
Já são 23:19 e ele acordou dos cochilos e interage. Que legal. Ele está voltando a assistir futebol, a ler jornal ,manifestar desagrado e aprovação.
Deus é grande.
UhUUUUU.

Meu aniversário.

Fiz aniversário 10 dias depois da cirugia do João.
Minhas filhas queriam comemorar a data e a cirurgia, porque ele estava conosco de novo.
Pedi discrição. Afinal, ele não podia ouvir barulho, tumulto, dormia cedo.Não havia clima para festividade.Ele estava se recuperando; tínhamos que ser pacientes e compreensivas.Elas então, encomedaram um belo bolo para mim e alguma coisinha para beliscar, caso meus pais viessem.
Nossa surpresa:Ele quis ir com as meninas, de carro, encomendar o bolo.
Mais surpresa: ele pediu para minha filha leva-lo ao shopping center, numa joalheria , para me presentear com um anel.
Que coisa linda, numa hora daquelas,ele querer me dar uma jóia. Tão ele!
Minha filha disse que ele mesmo escolheu o anel.As pessoas da joalheria notaram sua roupa "caseira"; afinal, ele não disse para ela, na hora que sairam, que ele queria ir num lugar mais movimentado.
Ela contou também, que ele estava muito confuso para fazer o cheque, teve dificuldade para assinar e pediu que ela preenchesse o mesmo.
Meus pais vieram, meu irmão e a irmã do João.
Ele ficou muito calado, olhando todos como se fossem estranhos.

Muito estranho, tudo muito estranho.

Sua aparência estava diferente. A cicatriz grande, o cabelo ficava dividido.Tinha uma parte do cabelo na frente, um espaço com a cicatriz de uma "costura de bola de futebol" no meio e o resto do cabelo atras.Um olho muito inchado, edemaciado e roxo.
Parecia que ele estava maior.
Seus passos eram lentos e imprecisos.A boca constantemente aberta, e as vezes com um pouco de saliva.
Uma vez , conversando comigo na cama, disse que via a corte real francesa chegando com seus súditos e estavam todos no nosso quarto.Uma outra vez me contou que o time de futebol de salão, que ele jogou quando era mais jovem, havia mandado as chuteiras novas."Você gostou delas?" ele me perguntou."É para o próximo jogo"

Nossas filhas nos visaitavam todos os dias e sofriam muito.
"Mãe, O que está acontecendo?"
"Mãe, ele está comendo com 2 garfos, ele bebe do meu copo,ele está comendo muito depressa."
"mãe, tem muita comida no prato dele; o que é que ele está falando?"
"Mãe, estou com medo.Ele não vai ficar bom mais..."

Tudo foi diferente

A recuperação do João foi muito diferente dessa vez. Ele não precisava de cuidados muitos diretos,como colocar o "papagaio", ajuda na alimentação, no banho,para se vestir.
Os cuidados eram outros.O João falava pouco e observava muito. Era muito estranho o seu olhar.Como ele ficava olhando sempre com "rabo de olho", nós achávamos que ele estava testando o campo visual.Parecia que ele queria saber o quanto que sua vista alcançava.Ele falava pouco e perguntava muitas vezes a mesma coisa. Eu não sabia se ele não estava me ouvindo ou me entendendo.
Eu cuidava de sua medicação,registrando numa tabela tudo que ele teria que tomar e o que já tinha tomado.Não confiava que ele pudesse fazer isso sozinho.
Várias vezes o vi tentando tomar sozinho os remédios.Ele tirava dois comprimidos de uma embalagem, deixava medicamento cair no chão, derrubava o copo com água.Eu implorava que ele deixasse essa tarefa para mim.Eu fazia com prazer e zelo. Escondi muitas vezes os comprimidos para que ele não se medicasse.
Ele falava palavras estranhas e ficava nervoso quando eu não o entendia.
Nossa filha vinha nos ver com nosso netinho, que ele adorava.
Ele ficava nervoso com a criança, ríspido, impaciente e se trancava no quarto.
Eu costumava comentar que dessa vez ele estava muito bem fisicamente mas a cabeça...

Nossa filha mais velha foi quem percebeu primeiro que nas intervenções que ele fazia nas nossas conversas, ele sempre começava a falar usando a última palavra que ele tinha escutado.Muito estranho.Não fazia sentido. Imagino o quanto ele devia estar sofrendo, tentando fazer contato conosco, com o mundo , e ninguém o entendia.